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nietzsche

nietzsche

28 Jun, 2005

Galileo

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.

Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!

Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar- que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação-
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.

Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.

Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.

Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas- parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.

Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto incessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.

 

António Gedeão

(Obrigada Leonor)

24 Jun, 2005

Galileu Galileia

Matemático, astrónomo e físico Italiano, Galileu nasceu em Pisa em 1564 e morreu em Arcetri (perto de Florênça) em 1642.
É considerado o fundador do método experimental. Descobriu a lei da aceleração uniforme da queda dos corpos e a lei do isocronismo das pequenas oscilações do pêndulo, entre outras, tendo conseguido traduzi-las matematicamente. Publicou a obra Tratado das Esferas. Tendo ouvido falar da invenção do telescópico, Galileu desenvolveu um método de ajuste de lentes que lhe permitiu construir e usar esse instrumento na observação astronómica. Graças a essa adaptação, constatou que a superfície da Lua não era plana, como se supunha, mas irregular, observou que a Via Láctea era composta de estrelas, e observou e nomeou os Satélites de Júpiter.
As observações que publicou em Sderius Nancius foram muito criticadas pelos astrónomos ligados  às ideias de Cláudio Platomeu. Galileu abraçou publicamente a teoria copernicana de um universo heliocêntrico e de uma Terra móvel, o que lhe valeu numerosas críticas, nomeadamente por tais noções serem contraditórias àqueles presentes na Bíblia. Por esse motivo, Galileu foi julgado e condenado em 1633, e teve abjurar perante a Inquisição.
Cerca de 400 anos após a sua condenação à morte, o Papa João Paulo II ajoelhava ao seu túmulo, na Igreja de Stª Cruz, em Florença, num acto de humildade, reconhecendo publicamente e em nome da Igreja Católica, a injusta condenação a que Galileu tinha sido sujeito. Mais sobre Galileu  é em geral considerado fundador da ciência moderna.




Lusitânia minha, Portugal meu

O que nos andam a fazer
nem eles sabem bem, o quê...
quando um dia se fizer história
pouco haverá para recordar
porque a tristeza será medonha
para poder ser recordada

Destes nobres charlatães
que hoje nos mentem e enganam
enchem-se como uns glutões
nada haverá para salientar
a não ser...

A miséria a aumentar.
E o défice, que nos fez afundar!
















16 Jun, 2005

ADEUS

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

 

Eugénio de Andrade

Adeus companheiro, ficarás sempre presente nas memórias desta pátria que é   PORTUGAL

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